‘Como fazer poesia após Auschwitz?’

Hoje eu gostaria muito de escrever um texto ou uma crônica bonita.  Não consigo.  Estou triste, enlutada pelas notícias da catástrofe do Rio de Janeiro.

Folheio as páginas do jornal de Domingo e me detenho na denúncia:  “As prefeituras de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo foram alertadas regularmente pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro (Crea-RJ) sobre a ocupação desordenada das encostas nos últimos dois anos.  A afirmação é do presidente da entidade, Agostinho Guerreiro. “Fizemos contatos regulares por meio dos engenheiros filiados ao Crea-RJ e nunca obtivemos resposta. Isto não é novidade. Em Niterói, mesmo após a tragédia do Morro do Bumba, a prefeitura não respondeu aos nossos demais alertas”, lamentou Guerreiro. Ele afirmou que o planejamento urbanístico da ocupação do solo na Região Serrana é “próximo de zero”.”

Busco encontrar, no diagnóstico das mortes anunciadas pelas chuvas de todos os anos, os prováveis agentes etiológicos da mais recente tragédia fluminense.  No fundo, no fundo a gente sabe que essa dolorosa perda de vidas poderia ter sido evitada; ao menos, amenizada.

A quem atribuir a responsabilidade ou culpa pelas mortes?

“Causas naturais”?  Não se culpe a Natureza. Não se responsabilize as costas largas de Deus. Não se responsabilize o destino.

O ser humano é o responsável.

Seres humanos que estão por trás das gestões públicas federais, estaduais e municipais e que conscientemente não destinaram as verbas necessárias para as obras de contenção e prevenção de alagamentos e desmoronamentos.

Seres humanos que ocupam cargos em prefeituras tecnicamente despreparadas e que permitem tanto a ocupação de encostas pelos menos favorecidos como construções de grandes condomínios de luxo em nome do turismo.

Seres humanos que, ainda abastados financeiramente, subornam os fiscais e constroem mansões nas encostas para ter a melhor vista.

Seres humanos menos favorecidos, que fazem seus barracos nos morros porque não podem comprar lotes normais.

Seres humanos infiltrados em governos , organizações, empreendimentos, corporações, negócios, que se omitem propositadamente nas ações políticas contra o aquecimento global e seu impacto sobre os ecossistemas e modos de vida no planeta, e que implicariam em mudanças drásticas do modo de produzir e consumir.

Theodor W. Adorno foi o filósofo que afirmou que “escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de porque se tornou impossível escrever poemas.”

Exageradamente pessimista?  Talvez Adorno tivesse a sua razão.  Como não concordar em parte, enlutada pelo Rio de janeiro de 2011 e seus personagens – centenas de seres humanos mortos pela ação ou “inação” de seres humanos outros que se dissolvem no anonimato de cargos públicos?  Que, mesmo após omissões, desvios e interesses acumulados ao longo do tempo, jamais admitem erros, jamais se retratam, jamais se arrependem?

Aos poucos, não é só o homem que recebe favorecimento ilícito ou suborno, ou o homem que desvia as verbas públicas, ou o homem que treina seu rosto para mentir para as câmeras, mas o homem que tem a sua humanidade corroída.

Por isso hoje, quando a poesia parece interditada, muda e perplexa, me acode a frase de Graciliano Ramos:  “A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”

Então parafraseio o mestre.  Hoje a palavra não enfeitará, ela será feita apenas – e apenas –  para não esquecer.

Helena Beatriz Pacitti, 16/01/2011

Fonte: http://tiatiz.wordpress.com/2011/01/17/como-fazer-poesia-apos-auwshwitz/

 

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