Será Marcelo Freixo um novo Collor?

Carta aberta ao meu ex-aluno Roberto Perez

Por Tarcísio Motta de Carvalho

Gosto do bom debate. Gosto mesmo. Não sou daqueles que fogem das pessoas que pensam de forma diferente e têm bons argumentos para defender seus princípios. Tenho costume, inclusive, de concordar com “o adversário” se o argumento dele for bom e tento buscar a síntese necessária a qualquer debate que tenha o crescimento como meta. Roberto Perez, um ex-aluno do Colégio Pedro II é uma dessas pessoas obstinadas que não tem medo de expor suas idéias, mesmo que elas sejam contrárias ao que todos (ou quase todos) os seus amigos pensam. Respeito e admiro muito essa qualidade do Roberto. Acho que foi por esse respeito que fiquei tão incomodado hoje pela manhã quando vi uma postagem dele no facebook comparando o Marcelo Freixo ao Fernando Collor de Mello. Obviamente, respondi a ele, assim que li o texto, mas ainda sim, fiquei incomodado e com um sentimento um tanto estranho, um misto de decepção e raiva (não contra ele, mas contra a ideia em si) e resolvi escrever essa carta.
Partindo da premissa que Roberto não fez essa comparação apenas para brincar com as pessoas, fica a pergunta: como foi possível uma pessoa inteligente (brilhante, até) fazer uma comparação dessas? A semelhança mais marcante apontada pelo Roberto é o estilo do discurso: personalista e “salvador da pátria”. Além disso, a origem em um partido “nanico” e a fé que a “classe média da orla da zona sul carioca” deposita em Freixo seriam outras semelhanças entre o caçador de marajás e o atual candidato a prefeito do Rio. Rebati cada um desses argumentos, lembrando principalmente da posição de classe dos dois projetos e do tipo de compromisso que cada candidato assumiu. Lembrei ainda da trajetória política e social de cada candidato e, ao final, procurei frisar que no Psol estão muitos daqueles que lutaram contra o Collor durante o governo, para derrubá-lo e para mantê-lo longe da vida política do país.
Mas, o incômodo continuou. Por quê? Acho que faltava alguma coisa na análise e não era nos argumentos do debate, mas na origem dele. Roberto, com sua fala, encarna uma completa falta de perspectivas na mudança, na transformação. Roberto, com sua fala, encarna o horizonte político de uma parte da juventude que não acredita em mudanças profundas, que se contenta com muito pouco em termos de projeto de sociedade. Isso não é exclusividade dele e, tampouco, é uma novidade da atual conjuntura, mas tem uma perspectiva histórica que precisa ser explicitada. Falta a essa juventude, a experiência da luta contra a ditadura, dos comícios das Diretas Já, dos comícios do Lula em 1989 e 1994, da luta contra as privatizações, dos debates da Constituinte, das marchas do MST, das manifestações do Fora Collor, etc. Lembro-me ainda hoje da emoção de cantar o hino nacional na Primeiro de Março quando adiamos o leilão da Vale do Rio Doce. Lembro-me da emoção de cantar o “Lula lá, cresce a esperança” em 1989 lá em Psol e, depois, em 1994 na Cinelândia. Lembro-me da profunda indignação diante do massacre de Eldorado dos Carajás em 1997 e de ter a consciência de que aquilo era responsabilidade não só da PM do Pará e de seu governador, mas da política de FHC e todos aqueles que sustentavam sua política. Podia continuar citando fatos políticos que, no fim, criaram em mim (e em uma parte daquela juventude), não só a perspectiva da mudança, mas a consciência da necessidade da mudança real, profunda, completa.
A fala do Roberto, comparando Freixo a Collor é fruto de uma outra experiência vivida pela juventude na última década. A década onde Lula foi eleito e fez crer a muitos jovens que a mudança não seria profunda. Que é possível erradicar a pobreza sem fazer reforma agrária, que é possível melhorar a educação a partir da iniciativa privada, que é possível melhorar a saúde, privatizando hospitais, que é possível democratizar o país governando com Sarney e Collor (olha ele aí de novo!), sem se sujar com a corrupção. Na minha opinião, o legado mais cruel da “Era Lula” foi a naturalização da pequena política, a naturalização de que não é possível enfrentar o capital, de que não possível fazer as grandes mudanças que Chico Mendes, Paulo Freire, Florestan Fernandes e tantos outros de nós sonhamos.
Acho que por isso é tão difícil para Roberto compreender o sentido da campanha de Freixo. Ela recupera a trajetória das grandes lutas das décadas de 1980 e 1990, ela aposta na desnaturalização daquilo que se tornou quase inquestionável depois de Lula. A campanha de Freixo é a antítese de Collor, querido Roberto. Como escrevi nos comentários de sua postagem, Collor foi escolhido para impedir o tipo de mudanças que a campanha do Freixo encarna. Quem esteve na Lapa acompanhando a apuração das eleições para deputado estadual há dois anos atrás e comemorou emocionadamente o resultado, viveu mais um daquelas experiências que citei acima (e estavam tão raras nos últimos tempos). Ali – e agora na campanha – reafirmamos uma esperança em mudanças profundas, em compromissos concretos com os movimentos sociais, reafirmamos as alianças com aqueles que assumem uma postura de enfrentamento aos poderosos do capital. Se em 1989, Collor se apropriou de parte desse discurso para enganar uma parte importante da sociedade que esperava mudanças, mas tinha medo do “sapo barbudo”, isso deve ser analisado do ponto de vista histórico, sob essa perspectiva (a da mentira). O exemplo de Collor não pode derrotar Freixo, porque Freixo não está mentindo quando afirma ter um outro projeto para a cidade do Rio. Sua trajetória pessoal, a trajetória daqueles que estão construindo esse projeto (incluindo este que vos escreve) e a trajetória do PSol são as únicas garantias que temos para oferecer à sociedade carioca de que isso não é mentiroso. E, se você olhar direitinho, isso não é pouco, meu caro Roberto.
Por fim, com este texto não espero te convencer a votar no Freixo. Acredito sinceramente que temos projetos diferentes para a cidade e, se você acredita que o projeto a ser implementado nos próximos quatro anos é aquele incorporado pela campanha do Eduardo Paes, vote e faça campanha para ele. Defenda o projeto, a administração e o partido dele. Como as pesquisas apontam, a chance desse projeto ser vitorioso são muito grandes. Aponte também as inconsistências e as contradições do projeto do Freixo e do PSol, pois isso faz parte da campanha e do debate. Mas, por favor, não desqualifique nossa proposta como se ela fosse deliberadamente mentirosa, inconseqüente e hipócrita. Isso não faz bem para a democracia e desrespeita os milhares de militantes que hoje, sinceramente, acreditam nesse projeto. E, claro, não perca a esperança, pois continuo a acreditar de forma cada vez mais firme que a grande vitória da campanha do Freixo será fazer mais pessoas acreditarem que NADA DEVE PARECER IMPOSSÍVEL DE MUDAR. Se no final, as urnas decidirem que teremos quatro anos para te provar que você estava certo ou errado, veremos. Por enquanto, continuemos com o bom debate, ok Roberto Perez?

Tarcísio Motta de Carvalho, Rio de Janeiro, 23 de julho de 2012.

https://www.facebook.com/tarcisio.mottadecarvalho/posts/338970939522000